Próximo ou Outro
Enquanto seguimos a caminhada da fé, algumas pequenas pedras aparecem no caminho.
Hoje, quero refletir com você sobre uma delas: o entendimento do amor ao próximo.
Uma pedra que parecia pequena, mas que, com o tempo, se tornou um tropeço para muitos.
No Velho Testamento, Deus ensinou que o amor deveria começar pelo próximo — aquele que partilhava da mesma fé, da mesma história, da mesma promessa.
“Não procurem vingança, nem guardem rancor contra alguém do seu povo, mas amem cada um o seu próximo como a si mesmo.” →
Paulo, ao resumir a Lei, reforça essa mesma linha:
“Pois toda a Lei se cumpre num só mandamento: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo.'” →
Mas esse amor tinha um limite silencioso: o próprio eu era a medida.
Amar como amo a mim mesmo.
Mas… e se eu não souber me amar de forma verdadeira?
E se o meu amor for confuso, imperfeito, falho?
Paulo, cheio do Espírito, confessa:
“Pois o que faço não é o bem que desejo, mas o mal que não quero fazer, esse eu continuo fazendo.” →
Se nem a mim mesmo consigo fazer o bem que desejo,
como posso ser eu a referência segura para amar o outro?
Jesus não veio apenas repetir a antiga orientação.
Ele veio cumpri-la e, ao cumpri-la, ultrapassá-la.
Ele não nos mandou amar o próximo como a nós mesmos.
Ele nos mandou amar como Ele nos amou.
“O meu mandamento é este: amem-se uns aos outros como eu os amei.” →
Aqui, a referência muda completamente.
O eixo do amor não está mais em nós.
Está em Cristo.
O amor verdadeiro não nasce do nosso esforço.
Não nasce da nossa compaixão natural.
Não nasce do nosso desejo de ser bons.
Nasce Dele.
Nasce de Cristo sendo formado em nós.
Cristo é o outro em nós —
o novo homem que ama sem interesse, sem medida, sem cálculo.
Em Cristo, aprendemos a amar de um jeito que não é mais natural:
perdoando quem nos fere, amando quem nem sabe o que faz e servindo quem não merece.
“Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo.” →
Paulo nos lembra:
“Ou será que você despreza as riquezas da sua bondade, tolerância e paciência, não reconhecendo que a bondade de Deus o leva ao arrependimento?” →
O amor verdadeiro é obra da graça.
Não é apenas tolerância.
Não é apenas caridade.
É vida sendo formada no espírito.
“Jesus declarou: Digo-lhe a verdade: Ninguém pode ver o Reino de Deus, se não nascer de novo.” →
Ver o Reino é reconhecer sua beleza.
Mas entrar no Reino é outra coisa:
É participar da vida que Cristo oferece.
“Digo-lhe a verdade: Ninguém pode entrar no Reino de Deus, se não nascer da água e do Espírito.” →
É pela formação de Cristo em nós que deixamos de apenas admirar o amor de longe — e passamos a viver esse amor por dentro.
Com o passar dos séculos, no entanto, algo foi se perdendo.
Influências humanas, mesmo bem-intencionadas, começaram a ressurgir:
a ideia de que o ser humano é naturalmente bom, bastando apenas ser educado ou estimulado a praticar o bem.
Essa visão — tão parecida com o pensamento moderno, que romantiza o homem natural — penetrou também no meio cristão.
Assim, o amor ao próximo foi reduzido, muitas vezes, a uma prática de obras sociais, de ajuda ao necessitado, de bondade visível.
Tudo nobre.
Mas ainda assim, tudo aquém do que Cristo revelou.
O Evangelho não nasce da bondade humana.
Nasce da formação de Cristo em nós.
Sem Ele, nossas boas obras não passam de tentativas frágeis de repetir, com esforço humano, o que só pode ser gerado pelo Espírito.
“Em verdade te digo que ninguém pode ver o Reino de Deus, se não nascer de novo…
e ninguém pode entrar no Reino de Deus, se não nascer da água e do Espírito.” →
Não se trata apenas de ajudar o outro.
Trata-se de ser transformado para que Cristo ame através de nós.
Amar o próximo como a si mesmo era o resumo da Lei.
Amar o outro como Cristo nos amou é o início da vida nova.
Cristo é o outro em nós.
O novo homem que sabe perdoar, amar como Ele amou e servir até o fim .
E cada passo nessa direção — ainda que pequeno — é uma pedra a menos no caminho.
É mais luz na estrada.
E mais liberdade para caminhar.